terça-feira, 11 de maio de 2004

Afinal onde é que eu fui buscar este nome?

Toda a gente sabe: ao tesouro da nossa literatura.
Ao poeta do "D. Quixote com armas de papelão":José Gomes Ferreira.
Chora-Que-Logo-Bebes é uma santa terrinha, como a nossa. Todos os que lá vivem estão habituados ao que a terra dá: nada. Mas lamurientos é que estamos felizes e por aí vamos.
Às vezes, porém, dá-nos um ataque de João Sem Medo e queremos saltar o muro. Todos saltamos uma vez na vida, digo eu e penso eu. O percurso do herói é o seguinte: graças a uma predisposição de carácter o “nosso João” rejeita a aldeia – berço piegas, inerte e inevitavelmente miserável.. Contra tudo e contra todos, o João resolve ir tentar a vida noutro lado, mas para isso era preciso saltar o Muro, penetrar na Floresta Mágica. E foi então que se confrontou com a tal condição de admissão: andar espantado de existir.
E tudo parecia conjugar-se para que o João levasse a bom termo os seus desejos. Os primeiros momentos são surpreendentemente vazios de surpresas. Mas são só os primeiros momentos, pois vamos assistir e viver com o nosso herói outros momentos inesquecíveis, fantásticos e mágicos. As florestas são o habitat natural das fadas e dos duendes, dos medos, das bruxas e feiticeiras, até o Bem e o Mal coabitam nestes espaços. E é na floresta que a natureza humana atinge a consciência plena da sua fraqueza.
Para além do homem sem cabeça, toda a realidade é apresentada com uma subversão perversa, ameaçadoramente transponível para as nossas vidas.
O João vai resistindo a tudo, mantendo a sua integridade inicial, não do ponto de vista físico, já que a determinada altura, atingido por um feitiço, desaparece, pois cada vez que tem fome o corpo subtrai-se-lhe. Mas a sua integridade moral e intelectual mantêm-se. O João apercebe-se que não pode vencer o invencível e decide regressar e adaptar- se.
Só que ninguém regressa igual, intocado, ao ponto de partida . Naquela aventura perde-se alguma (toda?) a inocência e ganham-se marcas que esboçam uma nova pessoa.
Mas a magia e a fantasia têm os recursos todos...
Os mágicos da floresta devolvem uma embalagem de pessoa igual a nós e assim sobrevivemos.

1 comentário:

molin disse...

Devolvem uma embalagem de pessoa igual mas com o conteúdo adulterado. Afinal, a vida de todos nós não é assim mesmo? Um processo de adulteração contínua? Há quem não se deixe adulterar muito, muito por culpa dos princípios básicos que ALGUNS tiveram a sorte de, orgulhosamente, herdar dos pais. Outros deixam-se subverter perversamente. É a magia da floresta que influencia diferentemente cada um de nós. Depende sempre da singular força interior.
Bom começo Espantada.