sábado, 18 de setembro de 2004

Lentamente

Com pequenos passos de cágado, o centésimo post aproxima-se!
Se ainda não leram o conto de Almada Negreiros, não deixem de o fazer.
Roubei-o e guardei-o no armazém. Está aqui a chave.

Quem, com tamanha sabedoria, podia ilustrar uma simples característica do comum mortal, com tão prodigiosa imaginação? Num conto breve e divertido? Almada Negreiros. O poeta, o pintor, o escultor, o escritor.
Aos sete anos, já as suas ilustrações eram regularmente editadas em jornais manuscritos da época, O Mundo e A República.
Ainda adolescente, já agitava a arte em Portugal, consciente de que era necessária a mudança, porque ele próprio já a experimentara em Paris. As reacções não se fazem esperar. Mas Almada também não faz esperar ninguém e reage no célebre Manifesto Anti Dantas e Por Extenso, que termina com a uma frase, que a minha amiga Angélica repetia, com o mesmo desprezo, quando os menores ousavam duvidar das suas boas intenções: Morra o Dantas, morra! PIM.
Assinava Poeta d ´Orpheu Futurista e Tudo.
O espírito inquieto e rebelde parecia não acalmar e no ano em que lhe morrem os companheiros Amadeu de Sousa Cardoso e Guilherme Santa Rita, faz as malas e embarca para Paris, onde qualquer emprego parece servir: “Para viver trabalha como dançarino de salão, bailarino numa boite, empregado de fábrica”.
Regressa a Lisboa e a inquietação continua. Ganha a vida como desenhador, ilustrador de livros. Diz que se sente perdido porque a vida é curta perante o número de livros que ainda quer ler...Quem tem hoje estas inquietações?
Apetece convidar os artistas a não pactuarem com os padrões de cultura estabelecidos. Insurjam-se! Almada dizia “ É preciso criar a Pátria Portuguesa do séc. XX.” Nós precisamos de criar a do século XXI. Ainda estamos a tempo. Ainda agora começámos.
Onde terá nascido a rebeldia do homem que também escrevia a ternura de uma mãe que não tivera, a partir dos três anos de idade? “Mãe! Passa a tua mão pela minha cabeça! Quando tu passas a mão na minha cabeça é tudo tão verdade!” A mãe partiu, mas a sua ternura permaneceu, acalentando a alma e a imaginação do filho.
Eu também vou pegar numa pá, procurar um cágado igual ao da Zoologia...

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