sábado, 23 de setembro de 2006

Neruda

O poeta não é um «pequeno deus». Não, não é um «pequeno deus». Não está marcado por um destino cabalístico superior ao de quem exerce outros misteres e ofícios. Exprimi amiúde que o melhor poeta é o homem que nos entrega o pão de cada dia: o padeiro mais próximo, que não se julga deus. Cumpre a sua majestosa e humilde tarefa de amassar, levar ao forno, dourar e entregar o pão de cada dia, com uma obrigação comunitária. E se o poeta chega a atingir essa simples consciência, a simples consciência também se pode converter em parte de uma artesania colossal, de uma construção simples ou complicada, que é a construção da sociedade, a transformação das condições que rodeiam o homem, a entrega da mercadoria: pão, verdade, vinho, sonhos.
Pablo Neruda, in 'Nasci para Nascer' (Discurso na entrega do Prémio Nobel)

Imagem daqui
Pablo Neruda morreu a 23 de Setembro de 1973.
Skarmeta prestou-lhe a homenagem das homenagens com a sua obra "O Carteiro de Pablo Neruda".
Apetece dizer como o carteiro: Poça, como eu gostava de ser poeta!
Mário Jiménez é o herói da novela, jovem pescador preguiçoso, filho de pescador, que troca a pesca pelo lugar de carteiro na Ilha Negra, carteiro de um só endereço: o do poeta Pablo Neruda.
O contexto ideológico dos anos sessenta está ali, não só para construir a personagem, como também para nos adoçar as recordações: os Beatles, as divas do cinema, cada vez mais ousadas no “despir”, a alimentar a fantasia dos meninos e a inveja das meninas, West Side Story... e as Odes Elementares, obra que ficava bem a qualquer adolescente aspirante a intelectual, facilitadora da conquista.
De tanto andar para lá e para cá, diz-se, metida “na dobra das peúgas”, o jovem carteiro acabou por ler as Odes e ganhar coragem para pedir um autógrafo àquela lenda viva, que tinha um humor variável e que tão depressa parecia que ia dar-lhe conversa, como não. Mas a “ardente paciência” já tinha entrado em funcionamento e aproveitando o especial interesse que o poeta manifestava pelas cartas que vinham da Suécia, o rapazito lá meteu conversa e, atrevidamente, até lhe perguntou o valor das outras cartas, arriscando o conteúdo. “Serão de amor?”.

1 comentário:

125_azul disse...

Era mesmo amor.Porque ele era um poeta maior. Um pequeno deus...
Beijinhos