quinta-feira, 14 de junho de 2007

de Borges

Sei pouco! O meu conhecimento é tão limitado! Chegar-me-á o tempo para aprender, ou melhor, para apreender o conhecimento que, por minha culpa, minha culpa, minha única culpa, negligenciei no passado? E o conhecimento, hoje, chega até mim, como a outro sujeito qualquer, da mais variada forma, no mais variado suporte. É essa a minha esperança. Esperança? Rebatível. Esta esperança é uma resposta dos nossos sentidos matreiros à tendência-pecado original de continuar a cultivar a preguiça, pequena que seja, mas preguiça ponto final.
E isto porque nada sei de Borges, de quem tanto se fala nos sítios de quem sabe da poda!
Procurei aqui e ali e encontrei um brilhozinho para o meu orgulho "saloió-lusitano": um bisavô português, de Trás-os-Montes, de Torre de Moncorvo.
DSC03214
De Borges, deixo então "Uma Oração" (daqui) título que me aconchega um dia marcado por mais um adeus. Foi mais um tio. É uma geração que nos deixa a braços com outra ou nos braços de outra, ou outras gerações, mas, mesmo assim, tão mais sós.
Uma oração
Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de Julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afecta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.
Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.

Jorge Luís Borges morreu a 14 de Junho de 1986.

3 comentários:

Anónimo disse...

Estou contigo na tua tristeza.
Um beijo muito grande

Pitucha disse...

Há sempre tanto para aprender! O tempo a passar é uma angústia.
Beijos

Anónimo disse...

Embora nos digam que são coisas normais...é a lei da Vida. Mas custa, não custa?
E junto-me à oração com um abraço muito grande de carinho.
M.Dores