quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O absurdo segue dentro de alguns dias...

-Sabes muito bem o que é o talento: antigamente, chamava-se-lhe inteligência, mas se disseres assim, chamam-te fascista; digamos a capacidade de ensinar, mas a capacidade natural, não a que te ensinam nos cursos de formação.
Paola Mastrocola, Eu até sei Voar

Estamos mesmo a falar de escola, de professores e de alunos, que pelos vistos são iguais em todas as sociedades civilizadas, entre aspas, claro, e de sistemas educativos, que, nessas mesmas civilizações, também são iguais. Tudo isto a propósito de um livro que li há alguns anos.
Não consigo fazer uma síntese organizada do que li, por isso atrevo-me a recomendar-vos este livro. A dizer-vos que é obrigatório para professores, alunos, pais e encarregados de educação (Quase todos se incluem numa destas categorias, eu penso!), motivando ou provocando quem ler estas linhas, com pedaços de texto. Mas a experiência segreda-me: o status quo é verdadeiramente omnipotente e as coisas ficam sempre como estão!
Canaria é um professor “apanhado” pelo crescente insucesso do sistema. Como a Carla, a professora, ou como nós o entendemos! A angústia cresceu tanto dentro do pensamento, que tomou conta do entendimento e dos comportamentos. Parece um doido varrido a deitar contas ao sistema de ensino.
“- Não há nada a explicar. ( diz o Canaria, que dá Ciências, à Carla, que dá Italiano) Querem uma escola mais activa? Com mais horas, mais aulas, mais turmas, mais alunos, mais disciplinas, mais anos, mais tudo? Muito bem, então há que aumentar o número de professores, claro.( ...) Mas o que é que acontece? É simples: como a excelência, em todos os domínios, só pode ser atingida por uma minoria exígua da população, se aumentas o número, dás por ti a pescar na maioria e a apanhar peixes cada vez menos excelentes, mais médios, mais medíocres. E assim baixas o nível médio da classe docente.”
Tão simples, não é verdade? Tão incontestável! Mas atenção, este professor é incómodo, diz verdades e, pior que tudo, pensa-as. A maior parte de nós já perdeu o treino de pensar e o tempo para o fazer também. O sentido do dever impõe-se e, quando damos conta, passaram anos e o nosso nível de exigência já está pela metade e os conteúdos leccionados pela terça parte. Quem perde? Todos! Especialmente as nossas crianças que nunca conhecerão uma escola “a sério”. Conhecem aquela escola simpática, pouco exigente, que os vai conduzir a um mero diploma do Ensino Básico. Ou talvez o ponha à porta da Faculdade, quem sabe? Mas não lhe venha pedir contas, se não conseguir sair de lá a tempo e horas de começar carreira profissional, antes dos cabelos brancos.
E há ainda a doença mais grave deste sistema: a burocracia. Burocratizou-se o talento, o desejo, a intuição, a vontade... É preciso é haver muitos papéis, muitas circulares, com muitas folhas. Na escola de Carla “o Plano Anual de Escola tem trinta e duas páginas”.
“Pergunto a mim mesma como se diferenciarão as outras escolas, se a nossa ensina a falar, ler, escrever e estudar. Que pena eu tenho das outras escolas! O que é que inventarão para nos superar, para vencer a nossa terrível concorrência?” Desabafa a professora. E ainda há os chavões que metralham a torto e a direito, magoando, matando qualquer boa intenção.
E esta professora ganha realidade com uma família, marido e dois filhos, que vivem os seus problemas, que se angustiam com os dramas dos alunos da mãe, da mulher. Carla também se preocupa com Mário, o marido. Preocupa-se com a tristeza dele. Também a ele, homem de computadores, lhe roubaram criatividade. Já vem tudo feito no Windows. É tudo uma questão de janelas e menus. Na vida também. É preciso clicar na janela certa, ou encontrar o nosso caso no menu. Coitado do Mário! “Coitados dos jovens. Não podem pre-ver, pro-gramar, pro-jectar.”
E há também as galinhas. O galinheiro é quase um laboratório sagrado, onde livremente Carla pode ensaiar o seu talento: ensinar! Nem que seja uma galinha a voar! Inscreve-se num concurso e ganha um prémio: a galinha voa. Mas, “Eu não crio galinhas: eu sou professora.” diz ela.
O absurdo segue dentro de alguns dias...
(Parte de uma sugestão de leitura publicada na Nova Gazeta, "aventura" que me deixou saudades, sobretudo pela amizade que nos unia (Obrigada, Luizi, por me teres convidado! E pelo tempo que nos era "deixado" para "criarmos" as nossas galinhas sem falsos complexos de culpa!)imagem daqui

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