O poeta, à luz das palavras de Francisco Lucas Pires, na Capital.
Mesmo quem tem por norma desconfiar dos poetas terá escutado com bons ouvidos o discurso de Manuel Alegre na passada quinta-feira. Um discurso com ideias sérias, estruturadas – das quais certamente se pode discordar, mas que são produto de uma reflexão cuidada –, e fórmulas próprias, claras, numa linguagem que não se refugia em ambiguidades ou nos chavões cinzentos do politiquês corrente. Um discurso que, só por si, o demarca do ambiente geral da política de hoje, em que banalidades repetidas até à exaustão são tomadas por “pensamento político” e sobrolhos franzidos para as fotografias por “poses de Estado”, em que se confunde bronzeados sorrisos de plástico com carácter ou espírito de liderança ou algo do género.
Atacando o “bloco central dos interesses”, o perigo do esvaziamento pelo centrismo, o caciquismo dos aparelhos, Manuel Alegre vem também afirmar-se, pela palavra, contra os políticos formados à sombra da imagem, deixando recados para fora e para dentro do PS. Concorde-se ou não, é admirável a generosidade e ousadia deste histórico que avança assim, com um discurso virado para a frente, sem medo nem da expressão “socialismo” nem da outra, “modernidade”. A vitória é quase impossível. Mas, pelo seu significado neste momento difícil da política portuguesa – como vitória das ideias e da palavra contra a política-espectáculo –, seria sem dúvida um bom sinal. É esperar para ver. Numa altura em que todos nos sentimos “invadidos pelos acontecimentos”, quem sabe se o dono da frase não acha um caminho?
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