domingo, 30 de janeiro de 2005

Blog Memória de Letras

O escritor português Fernando Namora morreu há dezasseis anos.
A data não é assim tão distante. Recordo-me de ouvir que o escritor estava muito doente e depois, no dia da sua morte, a confirmação da causa da morte: "doença prolongada", o eufemismo que, de tão usado, passou a ser mais incontornável de dor do que o nome da própria doença.
Fernando Namora nasceu em Condeixa-a-Nova,em 1919, mas foi noutra Beira mais distante e mais interior que o escritor deixou a sua marca humana, Monsanto, onde foi buscar também as suas primeiras histórias, depois publicadas nos volumes "Retalhos da Vida de um Médico".
Não são necessariamente estes dois volumes os mais importantes da sua vasta obra literária. "Fogo na Noite Escura" é considerado pelos especialistas Óscar Lopes e António José Saraiva como "o melhor romance neo-realista da mocidade universitária".
Quase ao acaso, apareceu-me sob os olhos estas linhas tiradas da Nave de Pedra, conjunto de reflexões sobre os tempos de Monsanto, refúgio do escritor na busca de "serenidade", na simples procura de si próprio, o que todos fazemos, sem essa consciência que advém de quem está preparado para pensar nas coisas quase até à dor de nascer.
"Cada manhã (já o disse noutro ensejo) em Monsanto nasce o mundo. Lá me apercebi que a sombra é azul. Como o céu. Como a pr´pria terra quando olhada do espaço. A revelação deu-ma um nevão que ocobriu de milagre todos os penhascos e arvoredos daquele largo mar de paisagem que fora indomada e agora se humilha de desfigurações." fala assim o escritor sobre Monsanto, na sua Autobiografia.

"Mas isto de falar de hospitais é areia movediça. Enfia-se um dedo no assunto, logo se enterra o corpo todo."
Da sua obra consta ainda alguma poesia.

Intervalo

Quando nasci, em rendas e afagos
Os rouxinóis vinham com a aurora esperar a Primavera
Mas o seu canto
Emudeceu de espanto
Como se o meu choro os degolasse.
Minha mãe, nessa noite,
Sonhara com o aceno húmido de um lenço
Branco
Num dia de partida.
Ó Terra
eu cheguei e tu ficaste ainda.
Porque não estoiraste se foste iludida


Imagem daqui.

1 comentário:

virna disse...

muito interessante. não conhecia fernando namora.
o poema é de uma sofisticada ironia.
faz frio em portugal e aqui, um calor abafado. às vezes chove, refresca um pouco.

um beijo