quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005

Blog A Ler...

"Cada idade da vida tem a sua forma de fazer conversa. Não é difícil revisitar esses momentos de encontro entre dois amigos. Um fala, e conta o que lhe acontece, o outro explica como lhe aconteceu o mesmo, mas também mais coisas de que o primeiro não chegou a falar. E assim se encontram em palavras numa espiral de cumplicidade." Eduardo Prado Coelho, no Público de hoje.
O EPC foi meu professor na Faculdade.
Por que é que nesse tempo ele não dizia coisas tão lindas?
De que falam na adolescência? De raparigas, de namoros, de proezas sexuais. Cada um enumera o seu currículo nesta matéria e procura mostrar que vai mais longe do que o outro. A sedução, a imaginação, a capacidade de dizer as palavras certas, tudo conta nestas circunstâncias. A contabilidade afectiva começa por ser uma contabilidade narcísica. Ama-se mais o amor do que se tem amor específico por esta ou aquela mulher. A paixão é sobretudo uma morada do paraíso."
E eu a pensar que era um texto unissexo... Afinal é só para homens, ou homens-to-be, adolescentes.
Então tenho de dizer aqui que com as meninas também a conversa girava à roda do amor pelo amor, mas com uma tonalidade mais platónica.

"Depois, as pessoas casam-se. E há uma casa, uma mulher, uma paisagem, um caminho, um emprego, um automóvel, filhos, tudo motivos de júbilo e reconforto. Cada um conta ao outro a felicidade com que deparou e explica como também é bom encontrar um espaço de tranquilidade."
Este espaço de tranquilidade é que me deixou a pensar...
"Até que, cinco anos depois, sete anos mais tarde (às vezes, ao cabo de vinte anos e de um profundo cansaço), o divórcio. Inventários de ódio que são ainda amor, e um sem-fim de ofensas e agravos. É preciso justificar o fracasso, mostrar que se tratou de um prodigioso engano."
É triste, mas acontece e provoca muita dor. E sobra o amor dos filhos que não se divide e os filhos que não se dividem. Instala-se o conflito, o litígio. E a dor sempre a multiplicar-se: vezes filhos; vezes pais de um lado; vezes pais do outro; vezes amigos...
"Chegamos a nova idade da vida. Ao mesmo tempo que dizemos ao outro, para nós acreditarmos e ele também, que começar de novo vai valer a pena, temos de nos ocupar das doenças dos nossos pais: ele já não anda, ela não ouve quase nada, já foi internada duas vezes, o médico dá-lhe seis meses de vida. Verificamos que cada um se defronta com problemas idênticos: a mãe que vive sozinha e não quer lá ninguém em casa porque não gosta que se metam nas suas coisas, a enfermeira que vem todos os dias dar uma injecção, a dificuldade em subir as escadas, a tendência que tem para cair quando sai à rua."
E dói, dói, dói...
Chega finalmente ao nosso conhecimento a noção do efémero!
"Quando os pais às vezes morrem, começamos a falar das nossas próprias doenças: o coração que bate em excesso, a vesícula que é preguiçosa, as dores nos joelhos, a cintigrafia que custou dezenas de contos de reis, as horas passadas nos consultórios médicos, as caixinhas organizadas para a dúzia de comprimidos que diariamente temos de tomar."
O pior de tudo são as mamografias!!!! O medo, a ansiedade...
"E de repente, adolescentes dentro de nós, e do sol de cada manhã, descobrimos que somos avós. Ontem, na escola do M., havia uma recepção para os avós: um café em copo de plástico, uma fatia de bolo, e crianças que corriam de um lado para o outro, um pouco indiferentes ao olhar dos mais velhos. Encontrávamos o amigo da faculdade a fazer desenhos para o neto: aqui uma espada, aqui um barco, aqui uma árvore, aqui um castelo. Eles, na terra de todos os jogos, conversavam entre si, em palavras soltas e berrantes, disparadas para todos os lados. De que falam afinal?"
Eu também quero um neto e uma neta. Quero mudar fraldas outra vez, apanhar com xixis de repuxo, passear o carrinho no parque ou perto do rio, parar, no Supermercado, nas secções de bebé e criança, perder a cabeça e estragá-los de mimos.
Obrigada. Senhor Professor, está perdoado das secas do Chomsky...

2 comentários:

Anónimo disse...

Comecei por entrar no teu blog, por causa do título e de José Gomes Ferreira. Hoje deparo com uma crónica comentada do E.P.C, que leio diariamente. Ontem li a tua referencia a Fernando Namora, escritor que devorei à medida que seus livros iam sendo publicados. Andei também nesses bailes a dizer: "A menina Dança?".
Estamos feitos!!! Vou passar aqui todos os dias. Inté
Clepsidras

António Balbino Caldeira disse...

O EPc é um dos ícones da sistema trágico que nos desgoverna...