Lembro-me de ouvir este longo poema, dito de modo inconfundível, por João Villaret.
Era um LP, vinil, mas penso que já existe em CD.
Vale a pena ouvir!
Lusitânia no Bairro Latino
Georges! anda ver meu país de Marinheiros,
O meu país das Naus, de esquadras e de frotas!
Oh as lanchas dos poveiros
A sairem a barra, entre ondas e gaivotas!
Que estranho é!
Fincam o remo na água, até que o remo torça,
A espera da maré,
Que não tarda hí, avista-se lá fora!
E quando a onda vem, fincando-o a toda a força,
Clamam todos à uma: "Agôra! agôra! agôra!"
E, a pouco e pouco, as lanchas vão saindo
(As vezes, sabe Deus, para não mais entrar...)
Que vista admirável! Que lindo! que lindo!
Içam a vela, quando já têm mar:
Dá-lhes o Vento, e todas à porfia,
Lá vão soberbas, sob um céu sem manchas,
Rosário de velas, que o vento desfia,
A rezar, a rezar a Ladainha das Lanchas:
Snra. Nagonia!
Olha, acolá!
Que linda vai com seu erro de ortografia...
Quem me dera ir lá!
Senhora Da guarda!
(Ao leme vai o Mestre Zé da Loenor)
Parece uma gaivota: aponta-lhe a espingarda
O caçador!
Senhora d'ajuda!
Ora'pro nobis!
Caluda!
Sêmos probes!
S.hr dos ramos!
Istrella do mar!
Cá bamos!
Parecem Nossa Senhora, a andar.
Snra. da Luz!
Parece o Farol...
Maim de Jesus!
E tal qual ela, se lhe dá o Sol!
S.hr dos Passos!
Sinhora da Ora!
Aguias a voar, pelo mar dentro dos espaços
Parecem ermidas caiadas por fóra...
S.hr dos Navegantes!
Senhor de Matozinhos!
Os mestres ainda são os mesmos d'antes:
Lá vai o Bernardo da Silva do Mar,
A mail-os quatro filhinhos,
Vascos da Gama, que andam a ensaiar...
Senhora dos aflitos!
Martir São Sebastião!
Ouvi os nossos gritos!
Deus nos leve pela mão!
Bamos em paz!
O lanchas, Deus vos leve pela mão!
Ide em paz!
Ainda lá vejo o Zé da Clara, os Remelgados,
O Jéques, o Pardal, na Nam te perdes.
E das vagas, aos ritmos cadenciados,
As lanchas vão traçando, à flor das águas verdes
"As armas e os barões assinalados..."
Lá sai a derradeira!
Ainda agarra as que vão na dianteira...
Como ela corre! com que força o Vento a impele:
Bamos com Deus!
Lanchas, ide com Deus! ide e voltai com ele
Por esse mar de Cristo...
Adeus! adeus! adeus!
António Nobre morreu há cento e cinco anos. Tinha apenas trinta e três anos.
Sobre ele, disse Fernando Pessoa: "Ele foi o primeiro a pôr em europeu este sentimento português das almas e das coisas, que tem pena de que umas não sejam corpos, para lhes poder fazer festas, e de que outras não sejam gente, para poder falar com elas".
3 comentários:
António Nobre...como gosto da simplicidade da sua poesia,tão popular,tão genuina!
Ao João Villaret devo em parte o meu gosto pela poesia;ouvia-o tantas vezes, nos já remotos discos de vinil,que até decorava os poemas que ele declamava.Matei saudades agora,ao vê-lo num programa da R.T.P. memória.
Bjos
ana
Também acho que devo ao Villaret algum gosto pela poesia, tal como tu, Ana.
Este poema em particular!
Um beijinho e obrigada pela visita.
Mais uma salva de palmas ao Villaret! E um beijo especial para ti por nos trazeres estes mimos sobre os grandes vultos da nossa literatura. Bom fim de semana
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