domingo, 17 de abril de 2005

Para a Ana!

O Poema de Gedeão a que ontem te referiste, a propósito da ternura.

Poema da mulher dos cabelos brancos

A mulher dos cabelos brancos estava à janela do primeiro andar
com os antebraços poisados no parapeito.
Tinha um xaile de malha sobre os ombros,
cruzado à frente e as mãos metidas nele.

Quentinha, a mulher dos cabelos brancos.

Postada, à janela,
muito ocupada em fazer coisa nenhuma,
com os antebraços poisados no parapeito,
a mulher dos cabelos brancos
só seguia com os olhos quem passava na rua.
Ela nunca tinha ouvido falar no Aristóteles,
nem no Descartes, nem no Sigmundo Freude,
mas sabia coisas que a vida prática lhe ensinara.
Sabia que Eva tinha sido feita
de uma costela de Adão,
o que se prova
por os homens terem uma costela a menos do que as mulheres.
E também sabia que o Sol anda à volta da Terra
como é evidente,
e que as salamandras vivas,
postas no fogo,
não morrem nem sequer se queimam,
o que não é evidente ,as é certo.
E por saber todas estas coisas,
e muitas mais,
a mulher dos cabelos brancos sentiu-se muito quentinha
com os antebraços apoiados no parapeito.

Eis que, porém,
o relogio do tempo despertou-a.
Então,
pausadamente,
a mulher de cabelos brancos ergueu o busto,
fechou a janela,
e foi sentar-se na cadeira do costume,
aconchegadinha,
a ver televisão.


Sem dúvida, Ana, a ternura mais simples é imaculada, como os cabelos desta mulher.
Chegar até lá, com esta ternura, é bem possível que seja um dos mais importantes objectivos de vida.
A minha avó Madalena era uma mulher assim: guardou sempre a ternura.
(Chegaste a conhecê-la?)
Um beijinho grande para ti e bom domingo!

1 comentário:

Anónimo disse...

Já sabia que encontravas!É uma delícia.
A Câmara de Palmela decidiu atribuir às ruas do Bairro onde moro(relativamente novo),nomes de escritores portugueses.Achei louvável,e sabes qual me calhou?Precisamente o do senhor de quem se fala.
Beijinhos
ana