terça-feira, 12 de julho de 2005

Adeus, Zé!

Fui dizer-te adeus, Zé.
A vida junta e a vida separa.
Foi em nome de um tempo em que a vida juntou que eu fui dizer-te adeus. Apesar deste longo, muito longo tempo em que não nos vimos, sei e sinto que o meu lugar teria ficado vazio se não tivesse lá estado. Não é presunção: todos temos o nosso lugar junto dos outros e não é preenchível por ninguém.
Falo de uma amizade muito forte que nos uniu, para sempre, de tal modo que não precisava de te ver, mas tão só de saber que estavas bem e que a vida te dava aquilo que tu merecias. E essa certeza chegava até mim, a toda a hora.
Falo de um tempo em que não era bem meninice, mas era quase. Os meus quinze anos eram meninos e os teus treze, claro que eram! Eras divertido, já lias Jorge Amado e sabias jogar à canasta, à sueca, ao king e ao crapô. E eu aprendia.
Lá no liceu, nunca nos víamos. Estavas na secção dos rapazes e eu e a tua irmã estávamos já na secção da “mistura”.
Mas depois das aulas, a seguir ao almoço, todos os dias, a pretexto do Latim e do Alemão em que eu recebia a preciosa ajuda da tua irmã, lá ia eu. E ficava a tarde toda, até a minha mãe me ir buscar à noitinha. Estava tudo em dia: o Latim, o Alemão, a canasta, o king...
(Ficava também actualizada a alegria em redor de uma mesa recheada de tudo o que faz mal, mas sabe bem, que era um dos cultos do teu pai e que tu também te preparavas para seguir.)
Depois vim para Lisboa. Tinha chegado o momento da vida começar a separar...
Tenho aqui, num álbum, as fotos a preto e branco das férias em Portimão, em casa da tua mãe. Outras em Coimbra, para onde vieste acabar a Medicina que tinhas começado em LM.
E depois... escasseiam tanto as imagens que receio que, por alturas do teu casamento, já estivéssemos completamente afastados.
(Só hoje conheci os teus filhos! Tu só conheceste o meu filho mais velho. Penso que a última vez que estivemos todos juntos, eu estava "gravidíssima" do meu segundo filho.)
E depois... escasseiam também as recordações.
“O Zé manda-te um beijinho!”, dizia a minha mãe sempre que ia à tua consulta.
“Dá um beijinho meu ao Zé!”, dizia eu à tua irmã, sempre que falava com ela, o que era e é frequente, pois, felizmente, ela e eu somos mais dadas às cartas e aos telefonemas do que tu.
As pessoas deixam de se ver, não se esquecem, mas só deitam contas ao tempo, quando acontece algo de errado, como a doença. Há dois meses e meio veio a notícia. Queria muito ter tido coragem para te ligar, para te falar, para te escrever, mas não tive.
Hoje fui dizer-te adeus. Com as pessoas que são tuas, ali por perto, parecia mesmo que ias sair de qualquer canto, pôr-me a mão no ombro e dizer uma piada.
Mas não! Flores e gente, flores e gente. Um segundo carro para transportar as flores que te ofereceram hoje. O escaldante sol algarvio não amedrontou a multidão que, às quatro da tarde, te acompanhou a pé. Não sei se viste, mas também me faltou a coragem para entrar no cemitério... Só quando tudo estava terminado.
Se é que está tudo terminado?! Com aquela multidão, visivelmente marcada pela dor, pela incompreensão da tua partida tão cedo, aos cinquenta anos, não pode estar tudo terminado.
(Hoje soube que também jogavas bridge. Esse não me chegaste a ensinar!)
“Era meu médico! Mas primeiro era meu amigo!”
Ouvi esta e outras frases como esta, ao longo do dia. E nunca vi, ao vivo, tanta gente emocionada que, como eu, te foi dizer adeus.

O Zé Carmona viveu em Vila Pery até aos treze anos, em LM até vinte. Em Coimbra, completou o Curso de Medicina e, em Portimão, exerceu a medicina e a amizade. Aí morou, até ontem. Hoje mora em muitos corações!

12 comentários:

Pitucha disse...

Madalena, o teu texto é lindo. Um grande beijo

José Monteiro disse...

A vida junta e a vida separa. Mas quando os amigos partem resta a memória que deles temos. E o teu amigo está no Céu. Não no céu das teologias mas naquele que eu acho que existe: o nosso céu é aquilo que dizem de nós quando nos finamos. E contigo a falar assim do teu amigo repito-te: está no céu!
Um beijo,
José Carlos.

Nelson Reprezas disse...

Madalena, o teu tributo é muito bonito e muito sincero.
Um beijinho solidário neste teu momento dorido.

Anónimo disse...

Um beijo muito grande, Madalena! - Isabella.

t-shelf disse...

beijinhos Madalena.

Anónimo disse...

O teu texto revela como sempre os teus verdadeiros sentimentos. Foi mais um amigo que te deixou, no entanto, pensa que ele, lá no céu, no tal céu, se lembra dos seus amigos e, quem sabe, num mundo bem melhor que este, espera por todos nós, talvez mais feliz e mais humano. Se isso te serve de conforto é o que penso sobre a morte, sempre difícil de aceitar. Um beijinho

Anónimo disse...

Um beijinho muito amigo e solidário.

lilla mig disse...

Linda homenagem... Beijinhos grandes

Dinamene disse...

Madalena, é como se estivesse no teu lugar com esta belíssima homenagem. Vieram-me as lágrimas aos olhos.
E os amigos ficam sempre connosco, como dizes.
Um beijo sentido.

Formiga Rabiga disse...

Mesmo quando o tempo nos afasta por grandes momentos de grandes amigos, quando partem e sabemos que já não estão aqui por perto, a jeito de um telefonema, fazem-nos muita falta e ficamos muito tristes.
Um beijinho

António disse...

Bonito requiem.
Jinhos

Anónimo disse...

Madalena
A minha mãe, com quem estou a passar férias, conheceu uma família Carmona, de Vila Pery, sendo que um dos seus membros, amigo do meu pai, era director do Grémio dos Cereais.
Beijinhos sentidos.