sábado, 4 de março de 2006

(...)

Finalmente, em livro, a crónica que eu mais gostei de ler até hoje.
lobo antunes
Li-a pela primeira vez, há mais de um ano. Tornei a lê-la, nos dias que se seguiam pois eu sabia que iria sentir na pele (ou para lá da pele, não sei bem!) o mesmo "ajuste de contas", que é assim que se chama a crónica.
É normal o nosso pai morrer antes de nós. Acho que ninguém, no seu perfeito juízo, pensa de outra maneira. Mas essa normalidade e até a previsibilidade e até o desejo de que o sofrimento e a decadência acabem de uma vez por todas não impedem de fazer doer.
(Mas a dor é individual, solitária e egoísta. Instala-se e temos de arranjar-lhe um cantinho onde confortavelmente ela conviva com o resto da nossa vida, feita também de bons momentos. Mas a dor é uma "chata" que está sempre a espreitar.)
"Isto Não É O Meu Pai
porque o meu pai não era aquele. O meu pai é um homem de trinta anos a jogar ténis na Urgeiriça e a fazer fosquinhas às inglesas. O meu pai é um homem de trinta e tal ou quarenta anos..."
Esta passagem tem-me acompanhado, porque na altura eu sentia isso mesmo em relação ao meu pai. O meu pai não fazia fosquinhas às inglesas. (Mas fazia o meu tio, que não resistiu à dor de perder aquele irmão e se foi juntar a ele, quatro semanas depois!) O meu pai fazia fosquinhas às portuguesas e cultivava o estilo de conquistador, não desprezando nenhum pormenor: ele era o bigode, ele era o franzir de sobrancelhas, ele era isso tudo. Depois, para piorar as coisas, apaixonava-se que nem um adolescente. Esse era o meu pai!
Em relação às três perguntas que o Lobo Antunes, enquanto filho ainda na ressaca da perda, formula, também vale a pena reflectir.
"Em que medida foi importante para mim? Amava-o? Faz-me falta?"
"Quanto ao amor não sei (...)"
Eu também não. Eu gostava muito do meu pai porque o meu pai gostava de mim, sem qualquer tipo de interesses porque ele não dependia de mim em nada, a não ser no afecto. Eu também só dependia dele nos afectos. Não havia dependências materializáveis. Ele gostava de me ver, de conversar comigo e dizia a todos "Esta é que é a minha filha!", com um orgulho paterno, como ele deve ser, com as superioridades todas por muito imerecidas que sejam. É próprio da maternidade e da paternidade. Quando assim não acontece, alguma coisa não está bem. Digo eu do alto da minha cátedra de filha e de mãe babada! Se não formos os melhores do mundo para os nossos pais (pai e mãe, claro!) vamos ser os melhores para quem?
Se foi importante para mim? Sim, sim, sim. Nunca me lamentou e isso foi muito decisivo no meu percurso até chegar à idade adulta e mesmo depois. Desenvolvi confiança e força, que com estatutos de coitadinhos não se consegue.
Faz-me falta? Claro que faz, embora esteja a usar as ferramentas de vida que me deixou.
(Obrigada, papá!)
Obrigada, Lobo Antunes, pela crónica que vale mais do que uma consulta de psi!
(Algumas horas mais tarde, apeteceu-me pôr uma musiquinha a tocar neste espaço! Fazia sentido ser pelo menos alguma de que o meu pai gostasse especialmente, já que ele gostava muito de música. Romântico, que era, só podia ser uma cantiga de amor.Esta "Paixão" do Rui Veloso, era uma das muitas.Eu também gosto!Aí vai ela!)

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7 comentários:

Nelson Reprezas disse...

Há assim uns posts teus que a única coisa que me ocorre deixar-te como comentário é um beijinho...

Anónimo disse...

Madalena
Acabei de comprar o livro.

"O que é que gostava de nos ter transmitido?
e ele respondeu sem hesitações
- O amor das coisas belas
pensou um bocadinho e acrescentou
- Ou pelo menos das que eu considero belas."

É bom achar que o meu Pai podia ter dito esta frase. Ele disse-a, tenho a certeza, sinto-a... Obrigada!
Beijinhos

t-shelf disse...

E pensar que Lobo Antunes costuma minimizar a importância das suas crónicas por serem demasiado fáceis de escrever. beijinhos madalena

Pitucha disse...

Olá Madalena
De repente fiquei a gostar do Lobo Antunes...(porque de ti já gostava, claro.)
Beijos

Nekynho disse...

Eu ando espantado de existir. Mas ando ainda mais espantado por viver :o)
Baci e boa semana :o)

Anónimo disse...

Como já te tenho dito as crónicas do Lobo Antunes são fáceis na leitura, angustiantes no conteúdo.
Deve ser mnaravilhoso o que o teu pai sente, acredito que sim, ao ouvir as tuas palavras de filha agradecida.
Já agora lê, do irmão, João Lobo Antunes, "Sobre as Mãos e Outros Ensaios", parte 1, A História de Um velho. Aí revejo toda a decadência da velhice a que assisti e sofri por assistir.
Um beijinho mt gd e por seres a filha que és.

Madalena disse...

Lembro-me que tropecei nesta crónica numa Visão que tu trazias contigo, Teresa. Foi na Sala de Reuniões, que agora é dos Dts. Lembras-te. Impressionou-me tanto que fui a correr comprá-la!
Quero ler esse ensaio, quero.
Beijinhos a todos!