Recordo-a. Era imponente na figura, no gesto, no cabelo. Era imensa!
O cabelo arrumado para um lado, com algum volume só aparentemente discreto. Olhos bem contornados a negro. Baton a acentuar a boca de onde saíam as palavras destemidas.
Na mão esquerda, um anel, outro anel, unhas pintadas e a eterna cigarrilha.
O feminino no seu esplendor de make-up, numa exuberância que não terminava na alma de poesia.
Falava com desassombro, exorcizando os medos todos, os fantasmas todos.
"A mais velha nobreza do mundo de que me lembro é o desejo do impossível com que me dotaste, Mãe!"
Não conheço a obra de Natália Correia para dela poder falar. Ainda lá não cheguei, senão a alguns poemas e umas quantas páginas de um diário dos dias quentes da Revolução dos Cravos, onde a poetisa ia escrevendo os acontecimentos e a sua alegria. À minúcia dos minutos, às vezes, como no primeiro dia.
Mas tive o privilégio de viver o mesmo tempo, as mesmas horas, o mesmo dia, à minúcia dos minutos também. E tive o supremo privilégio de sentir que há gente sem medo, ou melhor, há mulheres sem medo, porque são reais, existem assim de carne e osso, como todos nós. Sem medo das palavras. Sem medo de as dizerem contra as ideias convenientemente estabelecidas.
Natália Correia partiu a 16 de Março de 1993. Deixou-nos o exemplo e a força das palavras belas e muitas vezes difíceis, naturalmente criadas com o calor da sua brilhante capacidade de decifrar a vida, o mundo, as coisas, o amor, a mãe, a sua ilha, o seu país, a sua mátria.
“Portugal, Portugal, não percas a rosa!”
As palavras na canção!
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11 comentários:
Sem dúvida uma personalidade marcante. Deixou saudades.
um abraço
graziela
Uma das grandes poetisas do século XX, que merece um estudo aprofundado da sua obra.
Lembra-se mais a mulher, quando tem uma obra imensa.
Sempre em dia, por estas bandas.
Um abraço.
É só olhar para o actual parlamento para perceber que afinal, há insubstituíveis, onde outra Natália como esta?... - bem lembrado, Mad', beijo, IO.
E tinha um coração de ouro. Amiga como nenhuma. O Ary dos Santos soube-o.
Beijinhos
Junto-me a ti nesta homenagem à grande Mulher que foi,que é Natália Correia.
Só hoje me apercebi de que não podes vir à Patuskada!!!Grande baixa!!!Temos que fazer mais!!!
Beijinhos grandes.
Sem embargo do que escreves sobre Natália (extraordinária figura...), apetece-me perguntar: E Camilo? Faria anos hoje...
Beijinho
:)
Excelente e pertinente homenagem!!! Ela faz muita falta no parlamento Português!!!
Acrescento ao que já foi dito (e por teres escrito "Mas tive o privilégio de viver o mesmo tempo, as mesmas horas, o mesmo dia, à minúcia dos minutos também")que a canção me trouxe a emoção que sempre me causam alguns tranportes pelo tempo da memória.
"A mais velha nobreza do mundo de que me lembro é o desejo do impossível com que me dotaste, Mãe!"
São estes desejos que alimentam as "gentes" sem medo.
E mais ainda, sendo reais, mulheres e homens sem medo das palavras, defendem convicções e desígnios comuns com força inusitada, recusando o que convenientemente se estabelece.
Ela, por "elas" recusando papel secundário.
Um abração
Eu adorei "O nome da rosa" livro que ela me autografou!
Beijos
Madalena, outra coincidência... Ontem, no livro que ando a ler, encontrei um comentário que a Natália Correia fez sobre Che Guevara e que segundo um dos biógrafos do Che, foi uma das melhores homenagens ao guerrilheiro: "A Humanidade deve sentir-se orgulhosa de ter tido no seu seio alguém como o Che, que é o ser mais perfeito da espécie humana actual".
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