A filha mais velha, e também a mais sensata, conversa com o pai. Mora longe da casa materna e os momentos que passa junto dos seus trazem à tona e à memória e, porque não?, de volta aos hábitos, os mesmos sentimentos e os mesmos ressentimentos.
Desta vez, o motivo do regresso não é um motivo qualquer: é o casamento da irmã mais nova e mais insensata. Exactamente porque os irmãos não têm de ser iguais, no desempenho do papel social. Os irmãos só são iguais no amor dos pais. Mas o amor dos pais não molda seres humanos iguais, sem tirar nem pôr. Isso é uma felicidade que a natureza reservou, cautelosamente, para si.
Pressente-se um entendimento cúmplice. Pai e filha unidos pela mesma profissão e pela mesma sabedoria ajuizada. Comentam, de modo aligeirado, a vida familiar que, como eles tão bem sabem, tal qual o resto da vida, é concomitância de bem e mal. A sabedoria e a inteligência permitem-lhes que falem “a mesma língua” e “des-envolvem-se” do bem e do mal da mesma maneira, com a mesma agilidade, permanecendo distantes e algo paternalistas, em relação aos restantes membros da família, todos marcados por uma exuberância, quase excentricidade. O que belisca, ao de leve, o estatuto familiar, numa sociedade que quer todos os seus muito idênticos...
As duas irmãs preparam-se para a cerimónia. Conversam intimamente sobre o bebé que quase rasga o vestido de noiva que, afinal, devia ter sido objecto de estudo mais cuidadoso, em termos de evolução da gravidez. Mais uns metros de tecido e todos teriam ficado mais confortáveis: tanto a noiva e futura mãe, como o bebé, presume-se. A conversa gira à roda da obstinação da mãe contra aquele noivo. Porém, essa obstinação deverá, no dia, ser esquecida. Em prol da noiva, do bebé ou mesmo da própria mãe da noiva que fará todo o esforço do mundo, para dar a ideia da família unida, ao mundozinho da pequena cidade. A família unida resiste ainda aos primeiros flashes do fotógrafo e aos primeiros acordes da marcha nupcial, aos momentos breves em que o pai leva a noiva (e o bem evidente futuro neto) até ao altar, onde aguarda o indesejado noivo.
E quando já ninguém esperava que a ameaça matriarcal se concretizasse, eis a mãe estendida no chão, ao lado do altar, cumprindo à risca o seu aviso prévio: nem por cima do meu cadáver.
Casamento, não houve! Houve, sim, um serviço fúnebre para o qual se aproveitaram as iguarias da boda, com a dignidade possível: ao bolo de noiva tiraram os bonecos “noivos” e foi servido, apenas com umas flores que se acrescentaram e que convinham às circunstâncias.
Por razões da emoção, ou dos apertos do vestido, o bebé, uma menina, resolveu nascer.
Nem se arrefecem as fibras nervosas dos seres humanos que resistem à morte e à vida, permanentemente a marcar presença, mesmo em casamentos ou baptizados, sejam ou não convidadas.
A nova vida faz-se ouvir em tom bem alto e, por um instante rápido, parece fazer esquecer que a morte também passou por ali.
É a vida que leva a melhor, desta vez.
Nada disto é “verdade”, mas podia ser: é verosímil.
Esta é parte da intriga de uma série de sucesso “Providence”, que mostra bem o quanto os Irmãos Lumiére estavam enganados quando pensaram que o cinema não tinha futuro pois seria enfadonho para o público ver as cenas da vida repetidas no grande écran.
É pelas parecenças com a vida real, penso eu, que o cinema, em formato de fora ou dentro de casa, tem tanto sucesso: o cinema ensina a vida.
Mas o avesso também é válido. A fantasia é um lado de lá da vida, que também conta e também ensina. E, quando não ensina, pelo menos, ajuda.
Imagem daqui
5 comentários:
vim cá para te deixar um beijinho de feliz ano novo e dou com esta estória ehehe oh Madalena, tu havias de ter visto a minha cara enquanto lia!! lol só tu ehehehe
Carlos, pensaste o quê?????
Mil beijinhos
eheheh
Olá Madalena,
Desejo-te um Ano 2007 repleto de saúde, amor, alegria e muita Paz.
Que seja o Ano de todas as tuas realizações pessoais.
Um abraço.
hihihi que piada ooooooooooooooooooooooooooooo
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