Nada passa, nada expira
O passado é
um rio que dorme
e a memória uma mentira
multiforme
Dormem do rio as águas
e em meu regaço dormem os dias
dormem
dormem as mágoas
as agonias, dormem.
Nada passa, nada expira
O passado é
um rio adormecido
parece morto, mal respira
acorda-o e saltará
num alarido.
Serão estes versos, como diz a narrativa, a letra de uma cantiga de sucesso do momento?
Qual momento? Não interessa, pois apenas interessa o que eu hoje soube: Agualusa ganhou um prémio "lá fora". E a obra premiada foi este romance em que entra a Osga: O vendedor de passados.
A osga ri, a osga pensa, a osga sonha, a osga partilha com Félix Ventura, o protagonista, este sim de raça humana, um amor pelas palavras antigas.
Fiquei assim a saber que edredom podia dizer-se frouxel e sutiã podia ser estrofião.
Mas enfim os galicismos e outras importações são tentações também elas bem antigas.
E assim decorre a acção alternando espaços mais oníricos do que outros, fazendo desfilar criaturas cujo pensamento fascina, agarra, seduz, fazendo despertar emoções boas.
Ficamos até a gostar de osgas e achar que se elas existem nas nossas casas devemos aprender a conviver com elas... Parabéns, Agualusa!
(A Pública, suplemento de domingo do Jornal Público, traz regularmente crónicas deste escritor angolano. É um tipo de texto que Agualusa domina com muito muito talento literário, o que não deve ser fácil, por se tratar de um texto breve, onde perpassa um sentido de humor cheio de humanidade. O sentido de humor corre o risco, muitas vezes de tornar as palavras arrogantes e desnecessariamente cureis. Esse, não, obrigada! Eu prefiro este, onde me revejo sem vergonhas. Caso contrário, o melhor é tornar-me osga.)
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