Para além de termos o nosso bocado de médico e a nossa dose de loucura,(Que faríamos sem ela?), somos também um bocadinho de filósofos de feira popular.
Não tivemos já todos, ou quase todos, a tentação de comparar a vida a uma montanha russa, que nos leva até uma altura de onde se cai vertiginosamente, para, graças ao engenheiro que engenhou aquele engenho, tornarmos a subir e a descer, e a subir e a descer, e a subir e a descer, até ao fim da viagem?!
Descendo ainda mais no nível filosófico, baixando mesmo até ao cordel, diria que a vida é como as limpezas de verão: descobrimos o que queremos e o que não queremos, encontramos tudo o que anda perdido nas nossas casas que guardam tantos anos de tantas vidas traduzidos em recordações, souvenirs de viagens que jamais (mas aqui é jamais mesmo!) viajaremos. Tudo misturado com pó que nos suja a nossa reputação de limpeza absoluta. Depois, ainda há aquela teoria de que as casas impecavelmente limpas e arrumadas são museus sem vida e nós, seguinores dessas balelas, acabamos por também contribuir com a nossa santa preguiça domingueira, ou de outro dia qualquer, para que as casas tenham este ar de feira da ladra.
Mas o dia da limpeza chega sempre e as tais descobertas também.
Hoje foi o dia de descobrir os meus desenhos do quinto ano do Liceu com uma assinatura que me faz arrepiar de ternura e de admiração: a do Professor João Paulo, ilustre pintor moçambicano. Não é como ilustre pintor que eu o recordo. quando o recordo, quando penso nele vem-me sempre à lembrança um homem muito intranquilo.
Com ou sem razão todos os homens de talento são inquietos.
Mas a sua agitação não era de modo algum incompatível com a condição de professor, com a disponibilidade de professor de pôr ao serviço dos alunos o seu saber.
Recordo-o com ternura e admiração, mesmo com o oito que trouxe até este "espaço".
Fui a exame com 10, 10, 9. Lá, no exame, no Liceu Dona Ana da Costa Portugal, a desenhar uma cadeira ou uma peça de barro em cima de uma cadeira, ou lá o que foi, ganhei um doze. Esse doze era a prova de que o Professor João Paulo foi o meu Pigmalião da cor e do traço: treinou-me no essencial, para que não me saísse mal na prova final.
Obrigada, Professor!
O desenho á vista. Este não tem nota, mas tem assinatura.
A eis o oito!
E o "oito" mesmo!
Nem me lembrava do oito, nem dos desenhos. Lembrava-me sim das aulas e do tal homem tão humanamente desassossegado!
São estes os tais souvenirs que nos guardam as nossas memórias de viagem. Guardamo-los em sítio tão seguro que só são encontrados quarenta anos mais tarde!
Finalmente a assinatura do professor: um autógrafo muito real!
7 comentários:
Quando (muito de longe em longe) decido fazer certas arrumações em casa, acabo por fechar os olhos para deitar fora (falta espaço e o aspecto é tão de feira da ladra - lá me decido)- deitar fora sem olhar, para conseguir cumprir um "preceito" de não ser nostálgica. E, porque isso acabou de acontecer há poucos dias com material da escola (só disse a mim mesma "tanto trabalho!", depois não olhei mais, e o carro do lixo já levou os pesados sacos), porque isso acabou de acontecer, dizia, fiquei com um "nó" ao ler este teu post.
Beijinhos :)
Que direi eu de arrumações, que as ando a fazer há quase 1 ano com as mudanças de casa. E também tive o prazer de encontrar coisas de há mais de 30 anos que nem sequer pensava ter guardado. Mas o que aqui mostras são autênticas maravilhas juntas a um texto de uma ternura muito grande por um professor. E olha que a fasquia para a classificação era mesmo muito alta, a julgar pela amostra do "8"!...
Beijinhos Madalena e Parabéns pelos resultados das "arrumações".
M.Dores
Madalena:
Continuo a deliciar-me com toda a ternura que aqui sempre encontro. E, numa altura em que, aparentemente, a ternura parece um termo desconhecido de tanta gente, é sempre com alegria e também emoção que vejo que tu continuas a ser capaz, mesmo a partir das arrumações, mostrar que esse sentimento nos é fundamental.
Um abraço,
Emília.
O patrono do teu blog faria ontem 107 anos...
Então o registo da efeméride????Beijinho
:)
Que texto delicioso. Adorei. Oito, Madalena? Os desenhos estão tão bonitos que só acredito nesta nota, numa escala de zero a dez...
Beijinhos, beijinhos, beijinhos
Mada, só oito? Tu és uma mestra. Eu tive 5 e com o auxílio de alguns truques que escondiam a ausência total, ainda hoje persistente, da mínima queda para o desenho e a pintura. Tens sorte em encontrar nas tuas limpezas estas coisas que nos enchem de ternura, bem espelhada no teu texto. Eu não encontro nada, só lixo (será perseguição?).
Que giro, Madalena!!, conheci o João Paulo, mas fora do liceu, ao contrário dos filhos que andavam lá, o Zé, a Paula e o Johnny. E a 1ª mulher tinha o 'Baú' um restaurante-boutique onde parava toda a malta das artes e muita do cine-clube. Foi lá que vi pela 1ª vez a Zita Duarte.
Beijo grande, eu era também uma naba a desenho, apesar daminha avó ser prof' da cadeira lol!
Beijão, IO.
Enviar um comentário