quinta-feira, 19 de julho de 2007

O medo maior

Fui educada, como quase todas as pessoas do mundo, do mundo que eu conheço, para procurar legitimamente o bem-estar e a felicidade. Os meus pais, como quase todos os pais, mais pelo exemplo do que pelas palavras, transmitiram-me valores que me aproximam da maioria das pessoas que considero amigas, outras com quem simplesmente convivo, valores que tentei transmitir aos meus filhos, o que também me parece normal, comum.
Não sou e não me considero melhor ou pior do que ninguém. Não sou nem pretendo ser ou parecer mais sensível do que todos os outros e mais uma vez constatei isso, agora, quando a notícia do jornal passou do papel para as palavras das pessoas com quem convivo, ou melhor, vivo, diariamente, na escola, e que conheciam a Joana. Não é possível alguém permanecer indiferente ao conhecimento e à proximidade de uma tragédia tão sem-nome. Senti o choque da incompreensão. Esses tais valores foram violentamente derrotados, quando tomei conhecimento "directo" com a notícia, uma notícia igual a muitas que aparecem no jornal, mas não passam daí, do papel, do ecrã, não beliscam a nossa vida de pessoas comuns com casa, emprego, colegas e amigos, família.
Esta, sim!
A Joana não é uma personagem. A Joana é uma menina da nossa escola, com retrato no livro de ponto, como os outros alunos da escola e todos os papéis inerentes à nova matrícula no próximo ano lectivo. As pautas com os resultados escolares ainda estão expostas nas janelas do "Polivalente". A Joana é uma aluna brilhante.
Pela escola, fala-se muito da Joana, mas cala-se muito toda esta tragédia que até nos envergonha como seres humanos, pois, pelo que dizem os vizinhos e pessoas que conheciam a família nada podia fazer prever um acto tão cruel da parte de um pai que procurava dar às filhas o que é normal os pais quererem dar às filhas: conforto, segurança, educação.
Estas linhas têm já dois dias de amadurecimento. Gostava de ser capaz de lembrar esta menina sem produzir nova onda de choque, mas acho que isso é impossível. Nem sei se estas são as palavras certas para uma homenagem à Joana. Será sempre da minha parte uma homenagem mínima, pois a Joana não era minha aluna. Os seus professores, esses acompanharam-na e traziam bem marcados nos olhos os traços da violência dos funerais.
Para os que não conheceream a Joana a dor desta incompreensão vai-se dissolvendo. Mas neste momento pergunto-me: o que é que nos separa, a nós que nos julgamos normais, dos outros?
O que é que nos pode tornar, de um momento para o outro, capazes de perpetrar a violência máxima?
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5 comentários:

Anónimo disse...

Um beijo, Madalena.

Anónimo disse...

Não consigo dizer nada sobre o que é inexplicável.
Loucura? Desespero? Nada pode explicar um facto tão brutal.
Não sei...

Luisa Hingá disse...

De louco todos temos um pouco. Dizem...
Horrível. horrível e horrível
E não consigo escrever mais nada.

Anónimo disse...

Madalena:
Um abraço.
Emília.

miguel disse...

como cantava o Chico Buarque numa canção antiga, «a dor da gente não sai nos jornais»
bj
miguel