Aos cinco anos eu tinha sonhos de independência e liberdade! Concretizáveis a curto prazo: tipo daí a um ano, no máximo. Se há pensamentos de que me lembro bem , este é um deles. Aos seis anos, eu até podia casar! "E até casar!", como diz a cantiga do Rui Veloso!
(Como coincidiam os meus ideais e os da Susaninha!)
Chegaram os seis anos e afinal não casei. Em contrapartida, fui para a escola.
Foi o meu pai que me levou, no primeiro dia. Era amigo da professora e queria recomendar-me, pois sabia que ia estar fora, na distante Metrópole, durante um ano.
O meu pai era sempre muito bem recebido em qualquer lado e isso também aconteceu na escola. Além do mais, tratava-se de uma professora e os mecanismos de sedução, por mais silenciosos e inocentes que fossem, funcionavam sempre.
A professora recebeu-nos com muita simpatia, mas percebi logo que toda a amabilidade era mais para o meu pai do que para mim.
Pouco tempo depois, o meu pai partiu então para Lisboa, conforme estava previsto. Veio de avião, num "Super Constelation", se a memória não me trai, com paragem num sítio com um nome muito estranho: Cano, escrito, se não me engano, com K. Kano, pois!
Era muito difícil ir para a escola e sentir que a vida era dura. Nem podia desabafar com ninguém, porque não sabia como é que se contavam as coisas que me passavam pela cabeça, por onde não passavam apenas os laçarotes enormes que me obrigavam a ostentar. Nem conhecia a palavra desabafar.
Não tinha amigos e não sentia na professora qualquer simpatia por mim. Quando lhe disse que já sabia ler, porque a Dona Irene me tinha ensinado no Jardim dos Pequeninos, a super-professora não acreditou e pôs-me à prova. Atrapalhei-me e nem li assim tão bem como até sabia!
A minha mãe, que também se entregava à saudade do meu pai e ao medo de o perder ou de ter de o dividir, reparou na minha tristeza. Agarrou em mim e levou-me para outra escola. (De facto, ela nunca confiara muito nas amigas do meu pai!)
E foi então que fui entregue a alguém que me ajudou a aprender, que me ensinou mesmo a aprender, com um carinho e uma amizade que não esquecerei.
A Pitucha voltou à escola. Resolvi ir com ela. Andei um pouco mais para trás e cá cheguei às duas escolas que fizeram muito por mim, cada uma à sua maneira. Ensinaram-me, por exemplo, que muitos alunos esperam de um professor muito mais do que letras e números. Basta olhar lá para trás...E, ao longo do ano, tirámos imensas fotografias como esta, que seguiam para Lisboa, talvez para matar saudades! Como se as saudades se deixassem alguma vez morrer por causa de uma simples fotografia!
8 comentários:
Tão ternurento... quando fui para Moçambique também foi num Super Constelation, mas com paragem em S. Tomé e Princípe, por avaria...
E fico feliz que alguém fosse obrigado a usar laços maiores que os meus, que eram dois ao fim de umas tranças que me custavam diariamente um mar de lágrimas.
Beijinho
Que lindo! Que lindo! Se eu soubesse escrever assim, também diria, lá na minha senda, das minhas duas escolas, uma lá, outra cá.
Beijinhos
Eu sei que o texto é lindo mas fiquei fascinada com o laçarote e tinha que o dizer.
;-)
Beijos
Tão bonito o teu 'post'! - beijo, IO.
Pois é! Também eu usei uns laçarotes (mais ou menos) desse tamanho a prenderem-me um rabo de cavalo que me fazia verter uns litros (?) de cloreto de sódio. Também eu tive algumas fotos dessas com o carimbo de "prova sem retoque" aposto na diagonal, que os paizinhos depois escolhiam de entre várias para então mandarem fazer a final que era amplamente distribuída pela família. A única diferença é que frequentei o Abrigo dos Pequeninos que, à data, era na Latino Coelho mesmo nas traseiras do Arcebispado. Posteriormente fixou-se numa transversal à General Rosado, em frente ao Seminário Pio XII - ou será que era XI?
Beijo,
Cila
Olá, Cila! Obrigada pela visita. Não posso responder-te senão aqui. Talvez o jardim dos Pequeninos seja Abrigo. Eu também andei numa espécie de infantário que me parece o mesmo que tu referes, pela localização. Mas não me recordo do nome!
Se calhar brincámos juntas.
Mil beijinhos
Porque vi aqui o teu endereço, permiti-me dar a resposta para lá.
Beijinhso,
Cila
Quando viemos de férias a Portugal em 1964, também foi num Constelation. Com paragem em Luanda e em Bissau.
E também adorei o laçarote!
Também usei, claro. E mais tarde também era uma franja com caracóis e um rabo de cavalo, pois então!
Estou a ler hoje estes posts todos que estão uma ternura (estive toda a semana com ocupação turística...)
Beijinhos Madalena
M.Dores
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