Chamo-lhe, normalmente, a Ponte do Meu Contentamento. Não é por acaso.
Esta Ponte encurtou-me as aflições e para ser perfeita só lhe falta mesmo o respeito de alguns, em termos de velocidades inúteis e desadequadas, numa pista que é de beleza feita e de que se usufrui mais, a menos quilómetros à hora.
Quando eu vim morar para o Montijo, por razões de trabalho, a cidade era autónoma, tinha a sua vida própria e para as pessoas da terra isso era motivo de um orgulho imenso. O Montijo era uma pátria, com os seus costumes e tradições. Por isso resistiu à Ponte com alguma força. A ideia da Ponte desuniu, tendo sido postas a circular petições a favor da construção da ponte e contra a construção da ponte. Quer uns, quer outros, sabiam que a Ponte ia mudar a vida desta cidade e uns sobressaíam o lado mau e outros o bom, o da comunicação mais fácil com Lisboa.
O rio sempre foi uma maneira de combater a distância. Bela, porém de longa duração.
Os cacilheiros demoravam perto de uma hora a fazer a viagem. Mas essa hora era aproveitada ao máximo: leitura, estudo, convívio, jogos de cartas. O Cais dos Vapores tinha vida, apesar das condições do cais propriamente dito. Havia um sino que anunciava a chegada do barco em dias de nevoeiro cerrado. A espera fazia-se numa casa de rudimentar construção e minúscula. Os mais novos e saudáveis faziam a sua espera do lado de fora, à chuva, ao vento e ao sol. A própria viagem podia ser feita num convés (acho que é o termo certo), apreciando-se a beleza do rio, onde até se podia fumar.
Antes da Ponte, chegou o catamarã. O Cais dos Vapores modernizou-se. O casinhoto deu lugar a uma construção "modernaça", mas pouco confortável. Enfim, sempre cabia lá mais gente. E os barcos, ao pé dos antepassados cacilheiros, eram um luxo. O tempo ficou por metade e os prazeres da viagem também. São as facturas do tempo que passamos a vida a pagar.
Depois, a 29 de Março de 1998, nasceu a Ponte Vasco Da Gama. O mundo de Lisboa e arredores desaguou nesta margem e neste lugar e eu não consegui passar a ponte nesse dia. Só no dia seguinte, de manhãzinha.
Percorro hoje a distância da ponte com o mesmo encantamento com que percorri no primeiro dia. A viagem é sempre diferente e sempre marcada pela beleza imutável do rio.
A vida mudou. As pátrias dos de lá e dos de cá uniram-se. A cidade cresceu. Felizmente os prédios não cresceram em altura. Mantém-se a altura dos quatro andares e as excepções já estavam cá antes da ponte. O comércio tradicional respira com muita dificuldade e outras instituições também. É outro dos preços a pagar. Este é talvez o mais amargo.
1 comentário:
Desde que fui trabalhar para a nossa escola oiço sempre falar sobre a Vasco da Gama, com o mesmo encanto que li hj estas palavras.E...sinceramente deve-me faltar sensibilidade, pois acho a ponte bonita.E é só. Cada vez que a percorro, não vejo a hora de chegar ao fim, e a sensação que tenho é a de que nunca mais termina, termina, termina,.......
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