Pega num livro que andes a ler. Ou que tenhas lido. Ou que venhas a ler ainda. Qualquer um serve. O que interessa é que tenha um título sobre o qual te apeteça escrever. Não importa a forma nem o género literário. Tem é que haver uma relação lógica entre o título do livro e o que tu vais escrever. Não sei se é possível mas apeteceu-me propor este desafio a todos os que constam da lista ao lado. E para dar o exemplo, aí vai a minha contribuição para o desafio!
Identificação da obra: Os da minha rua. Autor: Ondjaki
A rua era até há pouco tempo um reduto de liberdade para mais pequenos, um espaço perfeito para conhecer outros e aprender a vida. É que com a rua, a que chamamos nossa/minha, estabelecemos uma ligação especial. A minha rua é a continuação da minha casa e é pena que os problemas de segurança tornem cada vez mais difícil esta facilidade de ensaiar a vida para lá dos nossos muros, na nossa rua. A rua mais minha que tive, foi a rua dos meus onze anos. Tão minha que a recordo como se fosse uma fotografia ou um filme.
Por exemplo, nunca me esqueci de uma senhora que lavava furiosamente as janelas todos os dias. A minha mãe dizia que ela tinha a mania das limpezas. Não sei já se cheguei realmente a saber o que é que lhe aconteceu, como é que envelheceu, como é que sobreviveu, sem forças (presumo) para continuar a lavar as janelas. Lembro-me de haver muito mistério à volta da mania das limpezas da Dona Manuela (acho que se chamava assim!) e "constava" que era infeliz. Parece-me hoje uma explicação, uma relação lógica.
Do outro lado da rua, vivia uma família composta por pai, mãe e cinco filhos rapazes. O pai andava sempre vestido de branco e passava, na rua, calado, direito, com passo certo. Os filhos eram todos altos e bonitos. Pelo menos eu via-os assim, do "alto" dos meus onze anos, acabados de fazer. A mãe tinha a mesma postura. Só os dois filhos mais novos é que falavam e brincavam na rua, deles e nossa. Um dia fui parar ao hospital, cá em Lisboa e pelo nome na bata de um dos médicos com quem me cruzei, cheguei à conclusão que se tratava de um dos filhos, apesar de já não ser nem alto nem bonito. Percebi que a vida tinha continuado ali o pai: adivinhei o mesmo silêncio tímido, não sei porquê.
Um pouco mais longe do prédio onde eu morava, havia uma casa grande e branca onde só moravam pessoas felizes. Pelo menos, davam muitas festas e, se davam muitas festas, é porque eram felizes, pensava eu das profundezas dos meus onze anos acabados de fazer. A mãe jogava ténis e quando saia para ir jogar parecia uma actriz de cinema, com a roupa branca e muito bem engomada, os sapatos de ténis brancos, as meias brancas,a "raquete"... O filho era muito parecido com a mãe. Tinha uma bicicleta o que o ajudava muitíssimo nos dotes de sedutor. No figurino de sedutor não cabe a falta de um veículo e, para a idade, para além do triciclo, só podia ter uma bicicleta.
Depois, mudei de casa, mudei de rua, mudei de vida. Nunca mais tive onze anos, mas voltei a ter rua! E um dia até encontrei uma rua com o meu nome!
7 comentários:
gostei do desafio. e só não prometo aceitá-lo, assim de caras, porque com este texto fixaste o nível muito lá em cima. está um texto belíssimo, colorido e comovente, e nostálgico q.b. apeteceu-me, só por ele, ser um dos da tua rua.
beijinhos,
miguel
Desafio aceite, Madalena.
Beijos
Ainda bem que ando espantada por existir. Só assim me é permitido que partilhes a tua sabedoria comigo. : )
Desafio interessante e estimulante da escrita :) Eu é que não tenho a tua inspiração para ela - aliás, a minha anda absolutamente a zero! E há também as minhas frequentes embirrações com o meu cantinho, que agora mandei mais uma vez para pausa ;)
Ah... Quando eu tinha onze anos gostava muito de escrever! Mas também nunca mais tive onze anos... nem quinze...
:)))
Mil beijinhos, Madalena.
Que rua tão bem descrita...está mesmo uma emoção!
As ruas onde vivemos, são como as casas onde vivemos...têm um não sei quê de especial!Com 11 anos a minha casa era na Beira -casa esta que tinha sido em tempos uma padaria...enorme, o chão em cimento, onde durante a noite procurava o fresquinho para poder dormir e o meu Pai me vinha buscar para me pôr na cama, porque o chão frio fazia mal...e a rua, na estação das chuvas, formava pequenas lagoas, onde apareciam peixinhos que nos faziam andar naquelas águas tentando apanhá-los e onde cheguei a apanhar "filária"?sabes o que isto é Madalena?! Era África e a tua rua é de África que fala...
Beijinhos, regressada que estou a uma das "minhas ruas".
M.Dores
ESte desafio é dificil de aceitar neste momento. Uma das razões é preguiça mental...
Beijinhos Madalena
assunto arrumado. M/ post 2659
Beijos
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