domingo, 7 de setembro de 2008

Desafio Rentrée

Pega num livro que andes a ler. Ou que tenhas lido. Ou que venhas a ler ainda. Qualquer um serve. O que interessa é que tenha um título sobre o qual te apeteça escrever. Não importa a forma nem o género literário. Tem é que haver uma relação lógica entre o título do livro e o que tu vais escrever. Não sei se é possível mas apeteceu-me propor este desafio a todos os que constam da lista ao lado. E para dar o exemplo, aí vai a minha contribuição para o desafio!
Identificação da obra: Os da minha rua. Autor: Ondjaki
A rua era até há pouco tempo um reduto de liberdade para mais pequenos, um espaço perfeito para conhecer outros e aprender a vida. É que com a rua, a que chamamos nossa/minha, estabelecemos uma ligação especial. A minha rua é a continuação da minha casa e é pena que os problemas de segurança tornem cada vez mais difícil esta facilidade de ensaiar a vida para lá dos nossos muros, na nossa rua. A rua mais minha que tive, foi a rua dos meus onze anos. Tão minha que a recordo como se fosse uma fotografia ou um filme.
Por exemplo, nunca me esqueci de uma senhora que lavava furiosamente as janelas todos os dias. A minha mãe dizia que ela tinha a mania das limpezas. Não sei já se cheguei realmente a saber o que é que lhe aconteceu, como é que envelheceu, como é que sobreviveu, sem forças (presumo) para continuar a lavar as janelas. Lembro-me de haver muito mistério à volta da mania das limpezas da Dona Manuela (acho que se chamava assim!) e "constava" que era infeliz. Parece-me hoje uma explicação, uma relação lógica.
Do outro lado da rua, vivia uma família composta por pai, mãe e cinco filhos rapazes. O pai andava sempre vestido de branco e passava, na rua, calado, direito, com passo certo. Os filhos eram todos altos e bonitos. Pelo menos eu via-os assim, do "alto" dos meus onze anos, acabados de fazer. A mãe tinha a mesma postura. Só os dois filhos mais novos é que falavam e brincavam na rua, deles e nossa. Um dia fui parar ao hospital, cá em Lisboa e pelo nome na bata de um dos médicos com quem me cruzei, cheguei à conclusão que se tratava de um dos filhos, apesar de já não ser nem alto nem bonito. Percebi que a vida tinha continuado ali o pai: adivinhei o mesmo silêncio tímido, não sei porquê.
Um pouco mais longe do prédio onde eu morava, havia uma casa grande e branca onde só moravam pessoas felizes. Pelo menos, davam muitas festas e, se davam muitas festas, é porque eram felizes, pensava eu das profundezas dos meus onze anos acabados de fazer. A mãe jogava ténis e quando saia para ir jogar parecia uma actriz de cinema, com a roupa branca e muito bem engomada, os sapatos de ténis brancos, as meias brancas,a "raquete"... O filho era muito parecido com a mãe. Tinha uma bicicleta o que o ajudava muitíssimo nos dotes de sedutor. No figurino de sedutor não cabe a falta de um veículo e, para a idade, para além do triciclo, só podia ter uma bicicleta.
Depois, mudei de casa, mudei de rua, mudei de vida. Nunca mais tive onze anos, mas voltei a ter rua! E um dia até encontrei uma rua com o meu nome!

7 comentários:

Anónimo disse...

gostei do desafio. e só não prometo aceitá-lo, assim de caras, porque com este texto fixaste o nível muito lá em cima. está um texto belíssimo, colorido e comovente, e nostálgico q.b. apeteceu-me, só por ele, ser um dos da tua rua.
beijinhos,
miguel

Anónimo disse...

Desafio aceite, Madalena.
Beijos

Unknown disse...

Ainda bem que ando espantada por existir. Só assim me é permitido que partilhes a tua sabedoria comigo. : )

IC disse...

Desafio interessante e estimulante da escrita :) Eu é que não tenho a tua inspiração para ela - aliás, a minha anda absolutamente a zero! E há também as minhas frequentes embirrações com o meu cantinho, que agora mandei mais uma vez para pausa ;)
Ah... Quando eu tinha onze anos gostava muito de escrever! Mas também nunca mais tive onze anos... nem quinze...
:)))
Mil beijinhos, Madalena.

EVISTA disse...

Que rua tão bem descrita...está mesmo uma emoção!
As ruas onde vivemos, são como as casas onde vivemos...têm um não sei quê de especial!Com 11 anos a minha casa era na Beira -casa esta que tinha sido em tempos uma padaria...enorme, o chão em cimento, onde durante a noite procurava o fresquinho para poder dormir e o meu Pai me vinha buscar para me pôr na cama, porque o chão frio fazia mal...e a rua, na estação das chuvas, formava pequenas lagoas, onde apareciam peixinhos que nos faziam andar naquelas águas tentando apanhá-los e onde cheguei a apanhar "filária"?sabes o que isto é Madalena?! Era África e a tua rua é de África que fala...
Beijinhos, regressada que estou a uma das "minhas ruas".
M.Dores

Luisa Hingá disse...

ESte desafio é dificil de aceitar neste momento. Uma das razões é preguiça mental...
Beijinhos Madalena

Nelson Reprezas disse...

assunto arrumado. M/ post 2659
Beijos