quarta-feira, 22 de julho de 2009

Pérola de jornalismo

«Ontem de tarde, estava na praça da Ribeira José Rodrigues e a sua cara-metade Luísa Pinto conversando, mas, por tal forma o faziam, que a moral pública era altamente ofendida. A polícia, que tem os ouvidos muito castos, aproximou-se do mal falante par e repreendeu-o, mas foi mal sucedido, porque depois do dize tu e direi eu, meia dúzia de sopapos caíram no cachaço do guarda civil, que tomou a seu cargo desafrontar a moral pública.» Entretanto, «apareceram mais guardas e o par sempre a multiplicar o par de murros.» Por fim, «o ditoso e valente par foi capturado e conduzido ao Aljube.» Fonte:1.º de Janeiro de 22-07-1869, p. 3
Observações: Se o casal, ou seja, as duas metades da cara, estavam a conversar, como é que ofendiam a moral pública? "Altamente", note-se! Seria o volume da voz? Seria o conteúdo da conversa? Ou, simplesmente, não era conversa mas sim uma valente discussão à antiga portuguesa?
Quanto aso ouvidos castos da polícia: estaria o jornalista a ser irónico? Já lá vão cento e quarenta anos, mas mesmo assim, não acredito nesta castidade.
"Dize tu direi eu" já me parece uma forma mais acalorada de conversa...
É que os bem intencionados dizem que é a conversar que a gente se entende. Ou será a falar?
"Malharam" na Guarda-Civil e forma parar ao Aljube, mas mesmo assim o bem-disposto do jornalista chama-lhes ditoso par. Ditoso não quer dizer feliz? Valente não quer dizer corajoso? Falar de coragem e valentia não pressupõe orgulho, aprovação? Então isto quer dizer que o jornalista aprova e orgulha-se do par ter batido na autoridade.
No mínimo, esta é uma peça de jornalismo um tanto estranha!

Fontes: texto do Leme, Efemérides: imagem do Getty Image.

1 comentário:

IC disse...

Olá Madalena. Regressei de umas férias de 15 dias, venho deixar-te um grande beijinho.