terça-feira, 2 de junho de 2015

No mais fundo de mim...

Todos somos eternos enquanto vivos.
Os nossos pais são eternos, mesmo depois de partirem, porque não há ninguém que possa algum dia ocupar o seu lugar.
Quando se imaterializam, se despedem da matéria, ficamos num limbo, por definição imaterial, como se o direito ao paraíso nos fosse vedado e o purgatório também.
Para não falar no inferno, que felizmente saiu das mitologias do pecado. O limbo é a confusão entre a realidade e o desejo de não sofrermos.
A minha mãe partiu há uns dias. Ainda pairo por aí na certeza de que o sofrimento não é plano para a vida. E as voltas que o meu pensamento dá à roda do sofrimento?! O que eu vi e o que eu não vi. O que eu mostrei e o que eu escondi. O sofrimento da minha mãe e o meu próprio sofrimento à roda dos mil e um motivos que provocam dor no ser humano. 

Das nossas dores sabemos nós. E das tuas, mamã, quem sabia?
Estes últimos dez anos que eu julgava perdidos para ti, foram afinal cheios de afectos que construíste e alimentaste com a sabedoria dos grandes sobreviventes. Perdeste a saúde, mas tu sobreviveste. Perdeste a tua vontade sobre os teus dias e as tuas noites, mas tu sobreviveste. Perdeste o teu estilo de vida, cheio de glamour e perdeste também parte desse glamour. E sobreviveste. Enrolaste-me no esquecimento, mas sobreviveste. Todos os dias deste provas de coragem e força, vivendo cada nova realidade como se tivesse sido sempre a tua Vida.
A doçura tomou conta do teu olhar até ao fim, mesmo quando ele se refugiava em vazios incompreensíveis.
Agora é tempo de guardar e honrar a tua memória, com o brilho que sempre quiseste associar à imagem de ti.
É tempo de acreditar que a eternidade se constrói por aqui, pelo reino dos vivos e pode ser bela e gloriosa. 
Adeus, mamã! 
Eu fico por aqui mais um bocadinho, sim?
Apesar de tudo, não me sai do coração o poema de Eugénio de Andrade:
"No mais fundo de mim
Eu sei que traí, mãe."
Traí porque cresci. Até às rugas e aos cabelos quase todos brancos. Até às doenças más, como tu dizias. Até outras dores que não ouso nem pronunciar.
Olha por nós, se puderes!

4 comentários:

Maria disse...

Um abraço grande, Madalena.

Luisa Hingá disse...

E só agora estou a saber que a tua mãe nos deixou.Desculpa o atraso. Os meus pêsames. Eu sabia que estava doente, mas custa sempre, especialmente quando é a nossa mãe. Sou catedrática nessa dor pq sinto na pele esta tristeza.
Abracinhos apertados

Pitucha disse...

Madalena
Ando meia arredada da blogoesfera e só agora passo para te dar um grande beijo e um abraço.

Lina Querubim disse...

beijinho...