A Minha Rua
Não sei se a minha rua tem histórias. Tem-nas, certamente. Escondidas, guardadas no segredo dos corações. De vez em quando transborda uma lágrima, um pequeno escândalo de rua eu logo se esquece.
Mas, não
tendo histórias, tem a sua própria história e, sobretudo, tem vida!
Quando a
conheci, não se chamava Rua. Chamava-se Praceta à Rua …. Praceta à Rua José
Malhoa. Como se a Praceta e a Rua fossem, ao mesmo tempo, duas identidades
muito juntas e muito separadas.
A Rua corria
lá para baixo, misturando-se com outras ruas: Alves Cardoso, Egas Moniz, que a
levavam à espinha dorsal de Odivelas: Abreu Lopes, Guilherme Gomes Fernandes e,
às vezes, até Lisboa, até à Calçada de Carriche. A Praceta nunca saiu do seu
lugar. A Rua era a irmã descarada. Metia-se com todos e todos se metiam com
ela. A Praceta só respondia a quem a procurava.
Ainda hoje
assim é: quem lá vive ou quem lá mora.
E vive lá
muita gente. Gente miúda eu, quando se torna crescida, não esquece a Praceta… à
Rua José Malhoa.
É no meio da
Praceta, encostados aos automóveis, sentados nas caixas da EDP, entre outros,
que eles, os classificados de gente crescida, vivem os intervalos, os “furos”,
esperam pelos setores, para o melhor e para o pior, começam e acabam namoros.
Riem-se provocadores e irreverentes de quem os olha com ar sisudo e incomodado.
Incólumes às críticas e ameaças da vizinhança, eles crescem. Eles crescem
sempre. De um ano para o outro largam os calções e a bola, vestem calças de
ganga e escolhem namoradas e namorados. Elas trocam discretamente o “elástico”
pelo olhar lânguido.
As aulas
funcionam no prédio mais alto da Praceta, no primeiro andar e segundo andar. Quem mora perto, mais perto não precisa de
relógio. O toque de saída às horas certas. Aos dez minutos é para entrar. Aos quinze
está tudo na aula. Ou…. doce liberdade!
Só depois da
meia-noite é que o silêncio sobe à Praceta, depois dos últimos alunos
regressarem às suas casas. À noite passam por cá aqueles que vêm buscar um
degrau, ou dois ou três, da escada da vida.
Então a
Praceta dorme. Tranquila. É um sono reparador.
Às sete
começam a chegar os que cá vivem e a partir os que cá moram.
Se me
perguntarem se a Praceta é bonita, eu talvez diga que não. Prédios. Alcatrão.
Calçada. Contentores. Nem uma árvore. Nem um canteiro. Nem uma flor.
Mas quem
quiser tirar-lhe a fotografia do outro lado, talvez lhe ache o encanto que não
se traça a lápis, régua, esquadro.
Odivelas,
1988 (talvez).
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