sábado, 31 de julho de 2004

Muitos anos de vida, nesta data querida!

Hoje, nos tempos de hoje, os novos prolongam a adolescência que lhes entra pela casa dos trinta anos, sem cerimónias... Aos quarenta, assume-se a idade adulta. Aos cinquenta, teme-se a velhice e tudo o que ela traz.
A vida passa a voar. Tudo é rápido. A felicidade quer-se também rápida e instantânea. Os caminhos da vida são auto-estradas, onde não se pára quase sequer para abastecer. Não há portagens para pagar. É tudo via verde e larga.
É nestes tempos modernos que um homem sereno e muito lúcido festeja os seus cento e quatro anos. Dr Fernando Vale, homem bom, médico, fundador do Partido Socialista.
Numa entrevista que deu à televisão, surpreendeu pela simplicidade das palavras e dos hábitos: vou comprar o jornal, ando um bocadinho a pé, durmo e leio. Tenho sempre um livro à mão.
E disse mais: falou do partido que fundara e disse em qual dos candidatos recaía a sua escolha. Manuel Alegre. E em jeito de quem já está habituado a ser apenas um número, pois é assim que as pessoas hoje se consideram uma às outras, considerou coisa pouca a expressão da sua escolha. Disse mais ou menos isto: é mais um número.
Estes homens não são raros por terem ultrapassado os cem anos, estarem lúcidos e atentos.
São cada vez mais raros, por serem bons!



quarta-feira, 28 de julho de 2004

Nem a natureza nem a poesia escapam às malhas do destino

Foi precisamente a 28 de Julho que o poeta-filho lançou a primeira pedra do movimento de protecção a esta natureza - mãe.

Arrábida ferida de morte
Há ironias que não resistem ao fogo. Hoje celebra-se o Dia Nacional da Conservação da Natureza. Nesta mesma data, era criado, há 28 anos, o Parque Natural da Arrábida, visando proteger esta pérola paisagística das agressões do Homem. Foi também
num dia 28 de Julho, de 1947, que o poeta Sebastião da Gama, fervoroso apaixonado da Arrábida - ali viveu desde jovem para combater uma tuberculose e ali morreu - lançou, com o poder das palavras, um movimento académico de protecção à sua serra, ameaçada pelas primeiras pressões económicas. Desse movimento nasceu,
a 28 de Julho de 1948, a Liga para a Protecção da Natureza (LPN), dedicada a proteger
a Serra da Arrábida. Após os anos de esforços para manter a mais mediterrânica paisagem de Portugal intacta, todos falhámos

PATRÍCIA NAVES (Publicado no Jornal "A Capital")

terça-feira, 27 de julho de 2004

Serra-Mãe



Serra - Mãe


Quando eu nasci,
ficou tudo como estava,
Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

P'ra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...


Sebastião da Gama (O poeta da Serra que arde)

Burn out

A compreensão do Inferno

Ver e ouvir o fogo. Sentir o cheiro entrar pela janelas. O calor sempre a aumentar. Os noticiários repetem os nomes dos lugares que ardem. Sempre os mesmos.
O verde a ser substituído pelo luto. A vida a ser tomada pela morte.
Do alto da serra ardida,o mar: sempre igual, a prometer alívio ao corpo e à alma.

segunda-feira, 26 de julho de 2004

Não queria ver!

Não queria ver tantas árvores a morrer!
Agora parece que entendo melhor a expressão que diz que as árvores morrem de pé. Mesmo quando o fogo as devora e as envolve num manto laranja, elas mantêm o desenho recortado a negro.
Sinal de luto!
O fogo avança e engole haveres de gente que já pouco tinha.
As lágrimas e os gritos de dor soltam-se impotentes perante as chama impiedosas.
Ninguém queria ver!

domingo, 25 de julho de 2004

A vitória da esperança

Lance Armstrong é a evidência da supremacia da vontade sobre toda a adversidade, neste caso, a doença e os prognósticos reservados.
O amarelo não é só a cor da camisola do vencedor da Volta à França. É também "a cor da esperança, a cor de todos nós."

domingo, 18 de julho de 2004

A minha primeira praia

Praia da Polana. Na minha memória também já perdeu cor e no meu coração já perdeu tanta gente. A minha tia nadava tão bem... Saltava de uma prancha que havia por perto, com uma elegância que nunca mais voltei a ver e nadava, com prazer, nas águas quentes do Índico.
As águas eram calmas e quentes, mas não há bela sem senão: os tubarões eram a ameaça a tanto prazer!

sexta-feira, 16 de julho de 2004

Por cá, morrem árvores em incêndios incompreensíveis


Pelo menos, estes abalam a nossa ilusão de tranquila imunidade aos males dos outros!

A lição que não valeu!!!

Uma notícia, a mais triste que se pode ouvir, ler ou ver: muitos mortos é o resultado de um incêndio numa escola, na Índia. Esses muitos mortos são quase todos crianças, pois é delas que se faz a escola e é por elas que existem escolas. Setenta, avançam as agências noticiosas ocidentais. Mesmo tratando-se de crianças a Índia é distante e essa distância cria a ilusão da imunidade a este tipo de desgraça. Centenas de mortos, são balanços de outras agências mais próximas do cenário real da tragédia.
Mesmo distantes, sentimos o vazio que certo tipo de dores provoca.
Encontrei explicação para o vazio numa página de Torga, escrita em Paris, vindo da Índia: "Quando se vem da Índia e se desembarca nesta terra é que se vê a que baixeza social o homem pode descer e a que alturas pode subir. Lá, a espécie gregária na sua suprema degradação; aqui, no seu esplendor."
Nem a revolta serve de nada...

A Lição do dia!

Chegou pela palavra de Manuel Alegre, o Poeta.
Não se fica "político" por acaso! A ele, aconteceu-lhe ter sido "invadido pela História".

terça-feira, 13 de julho de 2004

Indignação!

Este artigo de opinião indignou-me.
Respondi assim:
Exmo. Sr. Jornalista
Como professora senti-me muito mal tratada pelas suas palavras, por muitas razões, ou melhor, por tudo o que diz na sua crónica.
Primeiro, cometeu o lamentável erro de agarrar a opinião de um só professor "distinto membro da classe docente" de um só nível de ensino "do ensino secundário". E mesmo esse, que provavelmente foi mais sincero do que muitos profissionais de outras áreas, não recebeu tratamento condigno.
Os professores não servem só????? (Não servem????) Podia ter arranjado outro verbo, mas servem na acepção de ter alguma utilidade, parece-me pouco, para quem tem a seu cargo a formação integral das pessoas, dos alunos, enquanto pessoas: crianças, meninos, meninas, jovens adolescentes. Sabe que os professores, em especial os Directores de Turma, são responsáveis pela ligação entre os vários intervenientes no sistema educativo: aluno, escola, professores e família. Acredita? Não tinha pensado nisso?
Basta ser Encarregado de Educação para valorizar um pouco mais o professor Director de Turma.
As férias, caro cronista, no caso dos professores têm uma limitação temporal cada vez mais rigorosa. Tanto que não se compadece com o direito que tem qualquer marido ou mulher de gozar férias em família com o outro cônjuge, se a profissão não for a mesma.
Os funcionários administrativos têm as tarefas definidas no que respeita a alunos, mas são complementares e uma não dispensa a outra. E isto é verdade para todo o ano lectivo e não tem apenas a ver com tempos de férias.
As férias, caro cronista, já não são o que eram quando os professores " se interrompiam" de toda a realidade escolar, o que era possível porque só chegavam até nós alunos com todos os requisitos para o sucesso. Os "difíceis" iam trabalhar ou eram encaminhados, conforme os dinheiro dos pais, para colégios particulares ou outras instituições que lhes tratava "da alma e do coração". Agora, somos nós que o fazemos, em colaboração com outras equipas de ensino especial, onde o amor à crianças problemáticas marca todas as diferenças. Outras equipas e outros profissionais do sector, os auxiliares de acção educativa, por exemplo.
E não me vou prolongar em argumentações. Bastava-me convidá-lo a visitar a minha escola e talvez dissesse, sem essa ironia que lhe fica tão mal, que os professores merecem o Reino do Céus, mas antes disso o respeito dos outros e o reconhecimento do cidadão que, já agora, também fica bem.

Será que a sociedade continua a ver em nós pessoas que servem para... e não pessoas que servem ?

Quero acreditar que não!

segunda-feira, 12 de julho de 2004

Cem anos!


...Tudo o que você quiser, sim senhor, mas são as palavras que cantam, que sobem e descem... Prosterno-me diante delas... Amo-as, abraço-as, persigo-as, mordo-as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que glutonamente se amontoam, se espreitam, até que de súbito caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras de cores, saltam como irisados peixes, são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras... São tão belas que quero pô-las a todas no meu poema... Agarro-as em voo, quando andam a adejar, e caço-as, limpo-as, descaco-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então revolvo-as, agito-as, bebo-as, trago-as, trituro-as, alindo-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites no meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes das ondas... Tudo está na palavra...

Pablo Neruda, in "Confesso que vivi"

A minha vida é uma vida feita de todas as vidas- as vidas do poeta.

Como a poesia se sobrepõe aos tempos e aos espaços, à vida e à morte!

domingo, 11 de julho de 2004

Se... memória desta vida se consente


Olhando para cima, para o Céu em que ela acreditou com uma força que a mim me falta, vislumbro-a serena, muito tranquila e de sorriso matreiro.
Não creio que seja uma visão. Creio que é mesmo ela!
E peço-lhe que aceite a minha humilde homenagem!

segunda-feira, 5 de julho de 2004

"É cuidar que se ganha em se perder"

Disse o nosso poeta maior.
É sentir o que se ganha em se perder, penso! Por exemplo: ganha-se uma oportunidade de revelar nobreza de carácter, humildade, sentimento e reconhecimento da justiça!

sábado, 3 de julho de 2004

Sophia viverá sempre

"Desmentida" a morte de Sophia

A poetisa é eterna.

Tal como a juventude dos seus versos.

Sophia

“Dizemos «Sophia» como se esta palavra fosse sinónimo absoluto de poesia.” (Alice Vieira)
É certamente por causa dessa poesia, da palavra poética que Sophia de Mello Breyner foi candidata ao Nobel, a mais alta distinção no mundo das Letras atribuída a um autor vivo.
Quando a poesia toca um ser, todos os seus actos, escritos ou não, passam pela poesia. Todos os actos de Sophia parecem brotar da poesia.
Da poetisa conhece-se o apego ao mar, como ela, uma força da natureza, uma força que não cede, que não se verga, que não ilude nem desilude, que dá o prazer e o pão. O mar é tratado na “Saga” de maneira ímpar. O mar que mata, que colhe vidas e transforma vidas, como a do pequeno Hans, que aos catorze anos largou a terra, longe, e se fez ao mar. Havia uma proibição. Houve uma transgressão. O pai nunca lhe perdoaria a desobediência e Hans jamais poderia voltar à sua aldeia, a Vik, rever os seus, porque também ele, homem do mar, sabia que, na índole do marinheiro, o perdão é uma transigência menor.
As crianças são poesia. Por isso uma grande parte da vasta obra de Sophia tem como destinatário o público infantil. E lá está o mar! A gente do mar e a gente da terra. A Menina do Mar! Tão pequenina que cabe num baldinho da praia, daqueles que os meninos transportam do toldo para a beira-mar e da beira-mar para o toldo! Ela e um desses meninos travam conhecimento e querem trocar saberes. Ele quer levar-lhe o fogo e o perfume. Coisas de sensações! Ela quer levá-lo ao fundo do mar. Ele quer explicar-lhe o que é a saudade, que é da terra, mas que o mar ajuda a entender.
A filha, Maria de Sousa Tavares, diz que a mãe lhes transmitiu “desde a infância, o apego intransigente às coisas essenciais da alegria de viver: o bom pão, o bom vinho, o mar...”
A fé, a verdadeira fé, uma fé católica aparece na poetisa como o desenvolvimento natural de alguém tocado pela poesia. A fé também é um dom. E mesmo em tempos conturbados, lá está Sophia, com a sua fé e a sua verdade. No entanto, a sua sensibilidade sempre atenta está pronta a desmascarar a hipocrisia. O cristão tem de ser verdadeiro e todos os seus actos devem ser coerentes com os valores do evangelho. Para os mais pequeninos há o Natal, a grande e bonita festa cristã.
Elaborados estudos falam da poesia de Sophia, da essência do eu poético. Muitos entrelaçam a mulher e a sua obra. Mas foi precisamente num texto em prosa que encontrei a alma feminina, a sensibilidade da mulher, a consciência plena do seu papel no trajecto- vida. Foi num dos “Contos Exemplares”, A Viagem.
Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto, a 6 de Novembro de 1919. Aí passou a infância e foi aí que a poesia chegou até si, pela primeira vez. Aos três anos uma criada ensinou-lhe a Nau Catrineta, que Sophia aprendeu a dizer de cor. Antes de aprender a ler, o avô ensinou-a a recitar Camões e Antero.
Aos vinte anos casou com Francisco Sousa Tavares do qual teve cinco filhos. É ao marido que Sophia dedica os seus “Contos Exemplares”, com palavras que vale a pena citar. “Para o Francisco, que me ensinou a coragem e a alegria do combate desigual.”
Entre as várias honrosas distinções portuguesas e estrangeiras conta-se o Prémio Camões, atribuído à poetisa em 1999.
A 28 de Outubro de 2003, foi distinguida com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana. Por razões de saúde, foi o filho Miguel quem recebeu o prémio, em representação da mãe, com «orgulho, alegria e tristeza», disse.
Hoje a tristeza faz sentido, porque Sophia partiu, deixando para sempre enobrecidas a língua e a poesia.
Tinha oitenta e quatro anos.