Coimbra, 1 de Maio de 1974
Colossal cortejo pelas ruas da cidade. Uma explosão gregária de alegria indutiva a desfilar diante das forças da repressão remetidas aos quartéis.
- Mais bonito do que a Rainha Santa... – dizia uma popular.
Segui o caudal humano, calado, a ouvir vivas e morras, travado por não sei que incerteza, sem poder vibrar com o entusiasmo que me rodeava, na recôndita e vã esperança de ser contagiado. Há horas que são de todos. Porque não havia aquela de ser também a minha? Mas não. Dentro de mim ressoava apenas uma pergunta: em que oceano de bom senso iria desaguar aquele delírio? Que ocultada e avisada abnegação estaria pronta para guiar no caminho da história a cegueira daquela confiança?
A velhice é isto: ou se chora sem motivo, ou os olhos ficam secos de lucidez.
... mesmo através de memória de alguém, Miguel Torga, que não ficava diferente, nem indiferente, perante as coisas.
Aqui, nesta página do Diário, está a alegria que vimos em quase todos os que saíram nesse dia soalheiro, como o de hoje.
Mas está também a reflexão prudente de quem se habitua a ver a vida pelos lados todos.
Nem lhe chamarei lucidez, mas tão somente "sensatez", já que a mim me agrada mais.
Imagem do Jornal Expresso/Instituto Camões
(Pelo menos em Lisboa o dia foi soalheiro há trinta e um anos. E hoje? Também?
No Algarve, de onde cheguei há pouco, cinzentava e chovia uma chuva tímida que não atrasa nem adianta para o drama da seca!)
1 comentário:
Seria uma chuva pasmada? (Como a do livro do Mia Couto, a ler absolutamente...)
Um beijo colorido Madalena
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