sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Só acontece aos outros...

Maria Antónia Palla publicou, no final dos anos setenta, um conjunto de peças jornalísticas, denunciando casos de que a Humanidade certamente se envergonha: maus tratos perpetrados ou consentidos, com trágicas consequências. Às vezes, a mais trágica, a morte.
Tudo nos choca, com conta, peso e medida. Na maior parte das vezes, consciente ou inconscientemente damos a nós mesmos o mote para glosarmos a indiferença. Porque só acontece aos outros...
E os outros, por definição, nunca somos nós.
É certo que não podemos viver em permanente estado de choque que, também por definição, nos inibe de agir.
É por essa razão que a maioria de nós já desliga os aparelhos de televisão.
-É só desgraças!
E nós não estamos cá para ouvir desgraças
- Para desgraça, já chega a nossa vida! Assim vamos, dia a dia, adiando a nossa intervenção, desleixando o nosso contributo para um mundo melhor.
Há uns dias, uma pedra foi ter comigo à aula. Não houve intenção de me magoar. Eu creio. Os alunos já estavam todos fora da sala, no recreio e não eram meus alunos.
(Recreio? Qual recreio? Um espaço encharcado, enlameado onde não há baloiços nem marcas da macaca no chão? Desculpem, já estou a delirar!)
Tratava-se de uma “aula de substituição”! A ideia foi assustar-me, penso eu. E brincar. Dá jeito à gabarolice e quem viu pode sempre provar que aconteceu mesmo.
Como não há feridos, não há desgraça, mas para mim também não tem graça nenhuma. Pelo susto, primeiro. Depois pelo que significa em termos de falhas na nossa educação, no nosso sistema educativo, na nossa cultura que promove a violência.
E vamos continuar assim, porque isso “só acontece aos outros”! Desenho oferecido por uma aluna, na aula de substituição seguinte.

4 comentários:

IsaLenca disse...

Vamos a ver se hoje consigo comentar...

Este texto é um bom exemplo do que infelizmente acontece "por culpa do sistema". Num pequeno texto tudo está exposto: as más condições das escolas, as "aulas de substituição", as "brincadeiras" de alguns miúdos "educados".
Quando menos se espera tudo pode acontecer. Diria que nos tempos atuais ser professor é uma profissão de risco.

Bjs

Surafi disse...

"Na primeira noite, eles se aproximam e roubam uma flor de nosso jardim:
- Não dizemos nada.

Na segunda, já não se escondem.
Pisam as flores, matam o nosso cão e:
-Nós não dizemos nada.

Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada."

(Maiakoviski)

Infelizmente a grande maioria das pessoas vive preocupada com a sua vidinha...com os seus problemas...com o que lhe diz respeito...e não entendem que um dia (mais próximo do que esperam)vão ser eles as vitimas dos seres humanos que estam a criar. Nesse dia já não vai valer a pena fazer nada...o mal está feito!

Filoxera disse...

Nunca estamos livres de nada, certo, Madalena?
A resposnabilização está em desuso, parece-me.
Mas ainda há gestos doces...
Um beijo.

Guida Palhota disse...

Ai, Madalena, que existência frustrada esta! Porque é que não conseguimos ensinar o que nos ensinaram? Será porque não nos esforçamos o suficiente, será porque não sabemos fazer valer o lugar que é o nosso? E como é que havemos de continuar a ir sempre, como se nada fosse, afinal, porque, afinal, se nenhum tratamento se dá à ocorrência, será porque ocorrência não houve!?... Ou então estou ainda mais enganada do que pensei!
É agarrarmo-nos, com unhas e dentes aos desenhos dos meninos que ainda vão salpicando os nossos dias. Agarrá-los com a força do amor e da ternura e chamar-lhes nossos, só nossos, para nos consolarmos um pouco por nos terem confiado a tarefa de ensinar matulões que sabem muito mais do que nós da única matéria que hão de saber na vida!...

Beijo Grande - para ti